terça-feira, 27 de novembro de 2012

Lluvia


A Postagem Desde A Semana

Tínhamos todo o domingo para viver, mas não pudemos contê-lo entre nossas vidas. Bem como havíamos sido alertados, tudo ocorreu sem a menor fadiga dos relógios, tanto é que, quando demos por nós, já estávamos caçando as primeiras luzes do dia seguinte, o mais inexplicavelmente indesejado da semana. Estivemos imaginando o quão raro parece ser o ofício de caçar luzes, e a verdade é que não nos autodenominamos precursores da profissão porque descobrimos companheiros de classe atuando no topo dos postes que nos privam do breu parcialmente absoluto. O que descobrimos não nos assegura grandes créditos, mas também não nos deixa desamparados em relação ao entendimento de nossa real condição. É possível que sejamos os lunáticos mais desfavorecidos de nossa classe, pois caçamos, além das luzes da noite, escuridões e luzes do dia. Ontem mesmo, pegamos uma tremenda escuridão na cola da gente, até diríamos que havíamos pegado nossas próprias sombras se as lâmpadas não estivessem apagadas, porém, curiosamente, éramos nós a tremenda escuridão.
Contínhamos toda a vida naquele domingo, como acontece todos os dias. Entretanto, há dias que não conseguem conter todo o tamanho que temos. Os dias pequenos demais são aqueles em que precisamos transbordar para existir. Os dias grandes são aqueles que penduramos na parede da memória. (Tudo bem, agora basta de lugar comum). Aquele domingo até já esquecemos, como uma curva menor da estrada pela qual trilhamos uma ida sem volta. Passamos pelos primeiros taques e tiques da segunda-feira, o domingo não, o que o anexa à crescente galeria de dias presos às folhas que já arrancamos da porta da geladeira. Os taques daquele domingo, embora fossem tão efêmeros quanto os tiques da segunda, tinham um quê de céu anilado que nem a terça soube imitar. Talvez tenha sido justamente lá no fim daquele azul onde o domingo se perdeu, restando a nós somente a sombra que os dias idos reservam às datas virgens do calendário, sobre as quais nosso futuro se edifica. Aliás, o futuro também estava emaranhado àquele domingo, dia pequeno em que nossas caçadas escaparam, mais um dia que escapou de nós. Foi assim que ele se foi, e dele não levamos mais do que quatro poemas, que a segunda-feira soube maturar muito bem, como era de se esperar dos dias quaisquer, por mais que a segunda não tenha sido de todo uma data genérica, não, ela foi como a terça, que também maturou primorosamente a obra dominical.
O curso de nossas existências seguiu naturalmente desde então, e a semana foi se afastando de seu princípio. Nossa quarta-feira fez a ponte entre terça e quinta com um vão central de vinte e quatro horas, o bastante para que nossos navios cruzassem o canal sem grandes dificuldades. Todavia, os cargueiros que transportavam containers de trinta horas ou mais não puderam realizar a travessia e tiveram suas durações interceptadas pela meia-noite. De acordo com a quinta-feira, as horas interceptadas passam pelo acelerador de ampulhetas e em seguida são reenviadas à terça, que as mantém armazenadas em potes de trinta segundos. Temos procurado potes de trinta segundos para guardar nossas juventudes, mas as lojas sempre alegam que os estoques já se esgotaram. Foi em uma feira de domingos usados que achamos os últimos potes do mercado, mas preferimos não desejá-los porque os potes de domingos geralmente exalam o odor de tardes melancólicas ou de restos de pudins. O melhor que conseguimos foi encontrar um laboratório especializado no aluguel de segundas-feiras e na tele entrega de feriados. Deve chegar logo nossa encomenda de dias para viver, só não sabemos se virá ou não completa, afinal, pode ser que alguns pacotes de horas fiquem pelo caminho. O importante é que sobrevivamos até o momento de receber, e estamos otimistas em relação a nossa sobrevivência. Salvo na iminência de situações apocalípticas ainda não testemunhadas, o receio de que o amanhã não esteja agendado, que às vezes nos beira mediante circunstâncias de susto, apresenta-se tão inabilitado quanto o sol tropical depois das dezoito.
Foi um prazer danado traspassar o frontispício dos finais de semana, pena é não nos lembrarmos do que fizemos entre sexta e domingo, uma vez que até já se passaram mais de meio mês e pelo menos uma frente fria desde a semana durante a qual nossas letras emergiram das remotas entranhas mentais que ostentamos fora do nosso próprio alcance. Pode parecer estranho estarmos comentando dias tão desaparecidos de nossas memórias, sobretudo se estivermos predispostos a estranhar tudo o que afronta a vil indiferença com que lidamos com o quotidiano. Talvez estejamos abordando momentos despercebidamente acontecidos justamente para que nos percebamos melhor, pressuposto que o resgate de tais momentos se insinua ser relevante à percepção do que somos. Daqui se pode inferir que os espelhos provavelmente não dizem absolutamente tudo sobre nós, embora pudéssemos ter inferido o mesmo sem ter passado por tudo o que se estendeu até aqui. Ainda ontem estivemos usando óculos, e por mais divertida que fosse a experiência de ver os próprios olhos espelhados na superfície interna das lentes, pouco pudemos depreender de nossas pupilas. Mantivemos os cílios arregalados ao longo de demorados instantes apenas para curtir o olhar refletido a um dedo da retina e debruçado sobre a armação já exaurida de tanto carregá-lo junto ao próprio peso, e, mesmo pingando colírio, não conseguimos achar decodificada em nossos olhos derramados sobre o horizonte a informação que revelasse o que somos. Se o que talvez sejamos não for algo que não possamos saber, então talvez saibamos, mas também pode ser que tenhamos esquecido. De qualquer maneira, acontecemos.
Prossigamos retomando os quatro poemas remanescentes daquele domingo, que por muito pouco não foi um dos mais pacatos que já vivemos. Se não dominássemos a língua espanhola com o mesmo ímpeto com que nos regemos, dependeríamos bem menos dos dicionários bilíngues aos quais recorremos em cerca de três quartos das construções não prosaicas delineadas sob a égide dos entremeios aqui configurados. Contudo, exasperaríamos convulsivamente se fôssemos confundidos com aqueles seres esdrúxulos que zelam pela consulta aos acervos caros à arte pela arte. Nossa estética e nossa temática são provenientes da mais pretensiosa despretensão, e o que nos motiva não se faz conspícuo nem a mil léguas do quão dados somos à insipidez, tampouco a um milésimo de já podermos dizer que fomos blogueiros. Para elucidar melhor o ponto em que estamos trancados, voltemos à semana daquele domingo de versos. Caso ainda persevere soerguida a acuidade de nossa memória, aqueles dias eram de baixa velocidade no movimento de translação da Terra, e tal informação não se presta para nada além de marcar um intervalo de tempo do qual não levamos sequer o ranho acumulado à beira das extremidades dos orifícios nasais de que dispomos.
Mesmo sem quaisquer recordações, vínhamos tratando dos dias que sucederam o domingo dos versos e, se não estamos enganados, havíamos parado no primeiro sábado após o tão comentado domingo. Podemos imaginar que tenhamos desmantelado o sono naquele sábado, mas desconhecemos o nosso próprio perfil a ponto de não sermos suficientes para dar palpites acerca do que possamos ter feito. Por mais preocupante que seja a esquisitice de não sabermos do que retirar lembranças, seguimos deveras tranquilos, afinal, podemos ficar seguros de que somos jovens demais para o Alzheimer. Na verdade, não temos tanto assim a convicção de que possamos ficar seguros do que já nem sabemos se nos tranquiliza; nossa testa frisa só de pensarmos nos enganos que talvez estejamos cometendo propositalmente. A questão agora é redescobrirmos os propósitos que nos conduziram até este trecho do texto. Quereríamos apenas introduzir quatro poemas desimportantes que fizemos quase acidentalmente, e nada a mais corresponde aos intuitos que nos trouxeram até aqui. O problema todo é que escrever parece, em estreita medida, uma bola de neve: a gente sempre precisa explicar a linha anterior, qualquer que seja a clareza de tal linha.
Estivemos explicando uma semana inteira sem contar fato algum, e a causa disso é devida a um instável desejo de que, ao final, tenhamos desenvolvido, muito antes de qualquer ideia que remeta à possibilidade de que não estoquemos acontecimentos frescos na memória, apenas a moldura daquela que foi uma semana como qualquer outra. Aliás, de início, quereríamos unicamente contextualizar os poemas expondo as circunstâncias que os circunscreveram durante a sua concepção, e para tanto tangenciaríamos somente o domingo, de modo que os dias que o sucederam foram inseridos na conjuntura com a exclusiva finalidade de amortecer o seu agigantamento. Agora que já fomos aonde é longe demais para a brincadeira de estarmos a encadear palavras desenfreadamente, talvez tenhamos sobrevalorizado o que se pretendia demasiado desimportante. Arre, certamente não há qualquer mal em desvirginarmos mais algumas de nossas frases, contanto que ninguém se ponha a dizer que somos fazedores de enrolação. Findaríamos o texto subitamente se torná-lo mais curto também o fizesse mais compreensível, mas o caso parece ser outro, e ser outro é indefinidamente apenas não ser idêntico ao mesmo. Arre, que prossigamos com o texto se parece haver sentido em esticá-lo um tanto mais, menos trabalhoso é que não há de ser desmenti-lo palavra por palavra. E também não há de ser conveniente apagá-lo por completo como se a situação fosse de terra arrasada. O problema todo é simples, nem precisávamos suscitar o gênero de certas ponderações aqui embutidas. A simplicidade dos problemas é comumente ilimitada. Começamos a escrever e mal se acaba uma linha já desacreditamos na palavra que ainda nem escrevemos.
Há certos sujeitos que aconselham a aderência a específicos procedimentos de incursão no reino das palavras. Criaturas assim existem em escala planetária e não é estranho que as conheçamos pessoalmente. Algumas vezes demos os ouvidos e a cera alojada neles a experts em metalinguagem que explanassem seus métodos de escrita. Um bocado de tudo o que ouvimos deles reforça a tônica do que temos feito. Alguma voz que não era do além nos orientou a conviver com nossas palavras antes de escrevê-las, e isso talvez explique o porquê de termos postergado tanto o compartilhamento delas. Nossa obra gozou de duradouras convivências conosco, o que lhe rendeu a possibilidade de que a rebuscássemos até torná-la ininteligível. Sim, parece ter sido preponderantemente negativo o saldo de havermos podido estabelecer um contato sucintamente mais longínquo com o estado bruto de nossos caracteres. Se não fosse tão desejável adular certos estados inconclusos de uma obra, algumas conclusões não chegariam a ser pecaminosas. Sempre há mais em cada pouquinho de tudo, nem que mais seja mais nada, porque mesmo havendo mais nada, que é o caso de todos os exemplos que não nos faltam agora, ainda pode haver, basta que ponhamos um bocado de haver no nada que (não) há. Concluir não parece, pois, ter muito sentido.
Poucas coisas parecem ter muito ou pouco sentido. Sentidos são resvaladios, não pretendemos examiná-los em qualquer instância de nossas análises exatamente por isso. Nossas análises, que podem ser refeitas a qualquer instante, apontam justamente para o fato de que podem ser refeitas a qualquer instante, e tal apontamento intrinsicamente ensimesmado repercute em nossa paz como um tranquilizante desses que existem e que, ao existirem, incutem-nos de calma e paciência, que são caretas bizarras diante dessa pressa que a vida tem de se acabar, contra a qual nos aparelhamos do infindável possivelmente encafuado entre os diversos vieses segundo os quais podemos desafixar da própria solidez qualquer condição de existência já estabelecida, contanto que seja ao menos enquanto os dados do jogo do tempo ainda estiverem caindo pelo abismo de onde viemos. O que há de não ser dos domínios do inacabado se as possibilidades se sobressaem de todas as circunstâncias e se as circunstâncias sempre são sucedidas por outras circunstâncias?
Jaz aqui um blog que esteve abandonado por dois meses, e o relento não o desfez a ponto de evitar que o refaçamos sob a sede de incrementá-lo novamente. Ainda que o mundo tenha girado bem mais de sete vezes desde o tempo em que concebemos a postagem imediatamente anterior àquela que é imediatamente anterior a que... Que é imediatamente anterior a que se faz real por intermédio das letras aqui enfileiradas, não deixamos de acreditar que devamos alimentar o blog semanalmente. A ideia é muito simples e puramente matemática. Se somarmos todas as letras acampadas sobre o plano de fundo desta reserva linguística e dividirmos o montante pela raiz cúbica do quadrado de dez por cento da nossa vontade de fazer seja lá o que for, obteremos um número x de palavras, e, descontadas as onomatopeias, insinuaremos ser a incógnita x multiplicada pelo seu silêncio o resultado da conta que já nem sabemos mais porque vínhamos fazendo. Ah, é claro, o cálculo demonstraria que os loteamentos de letras aqui dispostos, se divididos, corresponderiam justamente a tudo o que deixamos de postar até agora. Aliás, uma correção: corresponderiam também a tudo o que deixarmos de postar daqui por diante. Já que nunca se sabe quais infortúnios ousarão nos acometer, é praticamente sempre interessante trabalharmos com uma margem razoável de alívio.
Antes de encurralarmos a matemática na penumbra do beco dos esquecimentos, é preciso que façamos algumas considerações em relação à incógnita y, que é uma variante de nosso cálculo meio omissa até então. O y da questão é o tempo: decidimos agora que isso é o y da questão e que y não é outra coisa senão isso, que é o tempo. Palavras precisam de tempo para que se desapeguem de quem as retira do estado de dicionário. Palavras precisam de tempo para que possam precisar menos de tempo. Qualquer coisa precisa de algo para poder precisar menos do mesmo algo de que precisa. O que nos deixa estarrecidos é precisarmos de algo para continuar precisando do mesmo algo – eis que, por mais que bebamos água, nossa sede permanece firme em sua frequência irredutível. Sedes, fomes, lutas meio invencíveis... Há tanta coisa para ser causa de estarmos atônitos! [...] (E, enquanto tudo isso existe, as palavras se camuflam daquilo que significam)... E o tempo? Ah, o tempo, é nele que pensávamos porque ainda o temos, e será nele que pensaremos mais ainda quando já não o tivermos mais. Ter tempo ou não ter? Ter ou não ter? Será o problema ter demais (O que é demais? Pode ser pouco? Quem sabe medir melhor?)? Ah... Se tivéssemos, ao invés da eternidade, um segundo que explicasse tudo, não teríamos chances de nos estupefazer com coisas que talvez não mereçam o estar estupefato de nossas faces. Quereríamos um segundo sem camuflagens, sem necessidades falsas... Um segundo despido do tempo, como a vitória de um movimento que, por se fazer vitorioso, já não se movimenta: simplesmente se termina, deixando o mundo inteiro humanamente ajeitado sob um equilíbrio de forças e necessidades.
Movimentos são importantíssimos, tanto é que estamos afirmando isso ao invés de qualquer outra coisa. Movimentos são, além de importantíssimos, duplamente importantíssimos. Chegaremos a nenhum lugar caso continuemos a abusar da redundância de dizer que movimentos são importantíssimos. Todavia, insistirmos na repetição já será um movimento, embora em prol de lugar nenhum. Todos os dias nos dão a chance de chegarmos a algum lugar, e no caminho sempre encontramos lugares nenhuns se revisitando: é como ver pessoas caminhando paradas por dentro. Ah... E, por falar nisso, como é que podemos saber se quem nós vemos está ou não parado por dentro? Eis aqui mais um vazio de respostas para a coleção de quem coleciona não respostas – o que podemos afirmar, por enquanto, é que estamos remexidos de caminhar por dentro: os pés estão quase descascando. E para onde nossos pés quase parcialmente descascados estão levando os olhos de quem nos lê? Talvez não saibamos... Talvez não saibamos... Mas é um caminho, e as palavras que o fazem estão aí para tentar comprová-lo. Elas são como ganchos deixados para trás: uns se engancham em outros, e assim, de resgate em resgate, forma-se um corpo: o corpo de ganchos, letras e letras-ganchos que tem se ferido, desde o primeiro parágrafo, do olhar de quem o lê. O corpo pode parecer forte, mas é frágil – ele precisa do cuidado de quem o aprecia. O corpo pode parecer dócil, mas ele não foi gerado para ser dócil. O corpo caminha por dentro: são movimentos de todos os tipos: há o movimento das palavras sem sentido, o movimento das palavras de duplo sentido, o movimento das palavras sem movimento, estáticas, em estado de dicionário... Reformaremos tudo isso, e sempre tendo em vista o movimento de tudo isso, porque o corpo para quando se acaba o movimento. Já temos planos para os assentamentos de letras, para os significados adquiridos por usucapião...
É chato termos escondido quatro poemas por algumas semanas, especialmente se levarmos em conta o fato de que o mundo não merece ser poupado de nossas letras (será? Quase certo que não). Mais chato ainda é havermos sido pessoas desde que nascemos, pois “viver” é justamente a mais ausente das palavras que abarrotam nossas listas de compromissos. Sentimos um imensurável tédio por todos aqueles que se julgam menos chatos do que nós, que somos seres desmedidos por natureza, mal entendidos por convenção e naturalmente assimétricos por azar, embora também sejamos sortudos pelo tudo de bom que ainda houver existindo – como o conforto de sabermos que de todas as chatices podemos rir. E que de tanto rir podemos nos entediar.
Antes de despejarmos quatro poemas sobre o fundo em que estiverem, gostaríamos de recomendar que eventuais obtusidades sintáticas ou ortográficas sejam desconsideradas, senão interpretadas como licenças poéticas. O primeiro da dupla de duplas de poemas é “Lluvia”, mas só é primeiro enquanto não o chamarmos de “não primeiro”. “Lluvia” e “La Llave Que Soy” são aproximadamente razoáveis, mas os restantes são muito ruins, poeminhas de poetastros (Será? Quase certo que provavelmente). “Una Buena Mañana” ainda existe só porque não tivemos falta de preguiça de apagá-lo... Estávamos alegres quando o fizemos, o que o torna portador de certa falsidade. Não admitiríamos nossas falsidades se não estivéssemos dispostos a escancarar nossas fragilidades. Sim, estamos muito dispostos a muito, inclusive a escancarar seja lá o que for - e este é um ponto em que nos arriscamos bastante... Até podemos nos ferir. Ferir-se é um ato de abrir feridas, e feridas são portais, e portais são passagens, e por passagens saímos, e por passagens entramos, e sem passagens somos impenetráveis, e impenetráveis são como pedras, e pedras são imóveis, e movimentos são importantíssimos. Ora, então não pouparemos esforços contra nós mesmos: pretenderemos nos ferir. Aliás, este já é um ponto de carne viva, escancaradamente viva. Não temos pretensões de mascarar qualquer coisa, nem mesmo nossos nacos de carnes vivas, por mais vivamente frágeis que sejam. A carne morta não nos interessa: o que nos importa é a carne viva. Ferimo-nos para dar vida a nossa própria carne.
Parece que já ferimos bastante a paciência de quem nos lê. Bom, podemos fazer alguns remendos, aplicar alguns curativos ou até pingar remédios sobre os machucados, mas reconhecemos que o nível de saturação beira o irreversível. As postagens que fizemos anteriormente só possuem algum destaque entre as estatísticas do blog porque sempre tiveram um público de duas pessoas que as visualizasse de tempos em tempos: nós, os que as fizeram. Somos uma fraude entre as visualizações do blog: uma mentira de centenas de acessos realizados a partir de um mesmo computador. Uma mentira... (E para que ligar para as estatísticas? Tardia pergunta...).
Parece que precisamos abandonar a caneta – quem nos lê já deve estar farto de nós e de nossas farsas. Na verdade, nada parece, pois, na verdade, ninguém nos lê. E para piorar, nós nos lemos ainda menos do que qualquer alguém que não nos lê. Aliás, nós nos ouvimos menos do que qualquer alguém que não nos ouve. Chega a ser preciso que telefonemos para nós mesmos se quisermos ouvir as nossas próprias vozes. Nossos números têm mais prefixos do que a língua portuguesa inteirinha... Como somos longe!
Devem faltar uns cem canais entre nós e os restos de nós... Faltam pontes, viadutos, passarelas e linhas de voo também. Entrecortam nossos sábados, quase sempre perpassados por sobras de quintas e sextas, semanas inteiras de canais faltantes entre nossas experiências. Falta o cheio, falta o vazio, falta a própria falta, senão a sobra da mesma. Quanta sobra há em nós além de trapiches apontados para o além? Quanta falta ainda não nos lembramos de sentir? Quanto sentido há em tudo o que dizemos? Já nem sabemos... Já nem sabemos... Talvez falte faltar alguma coisa para fazer sentido. Como somos pertos!
Não sentimos falta da falta que ainda não nos lembramos de sentir. Esquecemo-nos dela, por sorte. O desafio agora é esquecer novamente o que já esquecemos. Com a ajuda de terceiros, talvez consigamos. Talvez consigamos ainda mais facilmente sem a ajuda de terceiros. Para que terceirizar o esquecimento? Para que terceirizar qualquer coisa? Não, nada de terceirizar... Temos iniciativa, não é? Onde está a iniciativa? Arre, com parágrafos doidões que começam de um jeito e que terminam de outro só posso mesmo é me esquecer de algumas coisas pelo meio...
O texto acaba aqui. Perdemos o fim dentro do meio. Desculpem-nos.

Lluvia

Fuego firme en la lluvia
Así es la lluvia
En su caer sin fin
Pero siempre hay más un día de sol
Y de noche

Fuego firme en la noche
Así somos nosotros
En nuestro caer sin comienzo
Pero siempre hay lluvia
Para que no caigamos solos

Una Buena Mañana

Calles amanecen en mí
Y sólo después en la ciudad
La vida nocturna de mi eternidad
Es siempre agitada
De existencias que no saben dormir

El amanecer de mi locura
Es decidido como un río
Sus afluentes tienen la anchura
De mi edad doblemente dilatada
Años y años caminando en el nada

Hacer una buena mañana
No es como hacer buenas tardecitas
Mientras el atardecer te excitas
La mañana siguiente ya comenzó
Y entonces tú te recuerdas
De los términos que el comienzo empezó

Yo tengo miedo de dormir conmigo
Puede ser peligroso
Lo que me tiene amanecido
Es el ruido silencioso
De personas imaginarias
Personas que han vagado
Por el vacío
De mis conversaciones mentales
Mientras se habla cosas inútiles

Yo me voy con las gentes...
Conocer sus cosas de mí...
Conocer sus cosas... Cosas de otros...
Cosas de mí... Cosas de otros de mí...
Y yo me voy, cosas,
Mientras se habla cosas
Inútiles

Voy conocer las calles
En que fueren morir mis sombras
Check-in para llegar al sol
Que se borra al fin de la avenida
Check-out de

Uma Boa Manhã

Boa tarde
Até amanhã
Amanhã chega logo
Portanto até logo
Logo é cedo
Cedo já é
Já é amanhã
Manhã do amanhã
Uma boa manhã
Até

La Llave Que Soy

Los caminos están llenos de mí
Aunque el mapa no me tenga
Mi vista toda renga
Mira tus manos ensandecidas
Embebidas de tanto tener
Mi gran anhelo

Y la llave del cielo
En que nuestras estrellas carcomidas
Esperan el tiempo de morir
No abre la cerradura
Pero sí el horizonte
Atadura de la visión
Gasa del universo entero

Postado por Tiago e Gabriel

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